
Mobilização do sindicato garantiu a Lei do Piso
- 2 de janeiro de 2025
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- Imprensa Sinpro-JF
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Há dezessete anos, o Governo Federal sancionou a Lei 11.738, responsável por criar o piso nacional do magistério público da educação básica. Contudo, a história dos professores de Juiz de Fora, assim como ocorreu em outros municípios do país, mostra que para fazer valer uma lei como essa é preciso mobilização sindical. Todas as conquistas, referentes a implementação da norma, foram alcançadas a partir de longos processos de negociação e da pressão exercida pelo Magistério.
O professor Roberto Kalam, diretor do Sinpro-JF, explica o significado dos avanços obtidos pela luta dos professores. Leia a íntegra da entrevista:
Geralmente, os professores associam a lei do piso nacional aos reajustes. Mas há outro aspecto fundamental. O terço da jornada dedicado às atividades extraclasse está determinado nessa legislação. Em Juiz de Fora, como foi o processo de conquista dessa nova composição de jornada?
Kalam: Tão logo a lei foi sancionada pelo presidente Lula, em 2008, o sindicato colocou o seu cumprimento na ordem do dia. Na campanha salarial do ano seguinte, já constava essa reivindicação. Dois pontos foram destacados: o pagamento do valor integral do piso para a nossa jornada, já que o texto é claro quando diz que deve ser aplicado para “jornadas de, até, 40 horas semanais”; o outro ponto referia-se ao terço da atividade extraclasse. A categoria estava mobilizada e em greve, com o auditório do Pró-Música lotado em todas as assembleias realizadas. O Governo era do Custódio Matos. Apesar de toda a luta naquele momento, a inflexão daquela Administração prevaleceu.
Mas a categoria, como de costume, não arrefeceu. Em todas as campanhas vindouras, as reivindicações relativas à Lei do Piso mantiveram-se. Muitas lutas, mobilizações, manifestações e greves ocorreram, sistematicamente.
E foi numa dessas batalhas, em 2013, que a greve levou a categoria à Belo Horizonte, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a partir de um impasse nas mesas de negociações com a prefeitura. Dois ônibus foram fretados e os educadores foram em caravana, acompanhando a direção sindical na audiência com a Administração Municipal. A Justiça entendeu como procedente o pleito da categoria no tocante ao terço de atividades extraclasse e retornamos vitoriosos para Juiz de Fora.
Mas, a implementação da conquista ainda exigia da categoria mobilização e luta! Apesar de reconhecer o resultado das tratativas em Belo Horizonte, a Administração de então colocou diversos obstáculos para que isso virasse, de fato, realidade. O Secretário de Educação, apesar de “sinalizar positivamente”, manifestou muitas dificuldades em implementar a atividade extraclasse, como a lei assim o exigia. Pois o Sindicato dos Professores tomou para si a responsabilidade e organizou uma grande plenária da categoria, num fim de semana, com o intuito de debater e formular a reestruturação da grade curricular da rede municipal, de tal forma que garantisse, a todos, o direito ao terço de atividades extraclasse. Não restou à Administração, com a pressão do Magistério, acatar e implementar.
A implementação dessa composição da jornada é fundamental não só para a valorização dos professores, mas também para a melhoria das condições de trabalho. Você pode nos descrever o impacto dessa medida no cotidiano dos docentes?
Com toda certeza! É importante lembrar que, antes da criação da Lei do Piso, em 2008, os professores da Rede Municipal já tinham jornada, em sala de aula, diferenciada: aqueles que atuavam na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental cumpriam 20h em regência, enquanto os que atuavam nos Anos Finais do Ensino Fundamental cumpriam 15h. Na Administração Tarcísio Delgado, a Secretaria de Educação tentou aumentar a jornada de trabalho em sala de aula dos educadores dos Anos Finais. A categoria, que já encontrava-se em Campanha Salarial e em greve, endureceu. A SE recuou no intento mas a categoria aproveitou o momento para reivindicar a igualdade do tempo de regência para os outros segmentos. Saímos da greve com 15h em sala de aula para todos.
Em relação ao cumprimento do terço de atividade extraclasse, é verdade, todos ganharam! O Magistério, que conseguiu dedicar, dentro da jornada total, tempo para a organização, planejamento e correção de atividades, não precisando mais sacrificar seus finais de semana que, de forma justa e correta, devem ser preenchidos na convivência familiar e com a fruição de seu merecido descanso. Também o conjunto de nossos alunos que, com a reestruturação da grade curricular, puderam usufruir de outras áreas de conhecimento como aulas de idiomas, dança, lutas, informática, dentre outros, antes restritas à educação no âmbito privado de ensino. É importante destacar, também, que, com a reestruturação da grade curricular, foi possível ampliar o número de profissionais na rede de ensino, empregando mais trabalhadores, já que outras áreas de conhecimento foram incluídas.

As assembleias do Magistério Municipal no teatro Pró-Música foram marcadas pela participação expressiva e intensa da categoria.
A paz durou pouco. Em julho de 2014, durante as férias escolares, a prefeitura aprovou o artigo 9º da Lei 13.012. Quais prejuízos esse dispositivo provocou?
A Administração da época, sob o Governo de Bruno Siqueira, foi extremamente maléfica para o conjunto dos educadores. Além de não realizar concurso nos oito anos de mandato, acumulando, ao final, dez anos, engavetou o projeto de lei relativo ao Plano Municipal de educação, texto discutido por diferentes atores da sociedade, por mais de seis meses, e aprovado em Conferência Municipal. Depois de mais de um ano, enviou o PL à Câmara Municipal, desfigurando-o com inúmeros vetos, sem qualquer fundamento legal.
Tudo isso foi dito acima para revelar a má índole da Administração da época. Após uma greve da categoria no primeiro semestre de 2014, com o índice salarial e demais cláusulas da pauta acordados, a Administração Bruno Siqueira enviou à Câmara Municipal, em julho daquele ano – portanto, em plenas férias da categoria – o projeto de lei. O texto, modificado de forma arbitrária, incluía um artigo que permitia, a partir de sua aprovação, reajustes salariais diferenciados: o índice definido, anualmente, pelo MEC para aqueles de início de carreira, a fim de não receberem menos que a Lei determinava. Para os demais, índice a ser negociado, tendo, como parâmetro, o índice de inflação (muito menor). Dessa maneira, a Tabela de Cargos e Salários foi completamente distorcida, impondo, ao conjunto do Magistério, arrocho e precarização. É importante ressaltar aqui que, à época, Betão era vereador e da direção do sindicato. Foi ele que nos alertou da existência do artigo 9º. Fomos imediatamente à Câmara conversar com cada vereador a fim de tentar demovê-los da aprovação do texto, demonstrando a desonestidade do ato e os desdobramentos que iria acarretar. Em vão… A grande maioria votou a favor.

Manifestação noturna marcante, realizada pelo Magistério em 2013, durante a inauguração de uma ponte pelo Governo Bruno Siqueira. No mesmo momento, ocorria mesa de negociação com a Administração Municipal. Os professores reivindicavam a aplicação da Lei do Piso Nacional.


O vereador Betão, hoje deputado estadual, foi fundamental na denúncia vastos prejuízos do artigo 9º Lei 13.012/2014 a partir da destruição do Quadro de Carreira do Magistério.
A luta pela revogação do artigo 9º durou mais de sete anos. Foi marcada por manifestações, longas greves, denúncias públicas, agitação da comunidade escolar, intervenções na Câmara Municipal. Você poderia elencar três momentos determinantes dessa jornada em defesa do cumprimento da lei do piso nacional?
Sim, muitas lutas foram feitas, com a categoria bem determinada e participativa. Havia um clima de cumplicidade com o sindicato, de sentimento de pertencimento muito forte. Isso foi fundamental para o êxito de nossas ações.
Você pergunta sobre momentos marcantes e vou lhe dizer alguns. Um deles foi o outdoor que o Sindicato produziu e espalhou por vários pontos da cidade. Nele, estampamos a foto de cada vereador que votou a favor do artigo 9º. Isso mexeu profundamente com eles, a ponto de entrarem com uma ação na Justiça solicitando a retirada dos painéis e reclamando indenização. Pois bem: a Justiça entendeu que o material não era ofensivo e que apenas tornava público um ato realizado pelos vereadores. E entendeu que não havia fundamento a reclamação por indenização. Amargaram, portanto, a exposição da denúncia de suas imagens por duas dezenas de dias…
Um outro momento marcante foi a peregrinação que a categoria fez, juntamente com a direção sindical, pelos gabinetes dos vereadores, levando um Termo de Compromisso a cada um deles para ser assinado. Nele, o vereador assumia o compromisso de, caso entrasse qualquer matéria na Casa que dissesse respeito à categoria e a seu Quadro de Carreira, antes de apreciá-la, ouviria o Sindicato.
E um terceiro momento marcante foi uma Audiência Pública que realizou-se para tratar de resolver a questão do artigo 9º. Nela, houve um episódio muito emblemático: vereadores que votaram a favor do artigo 9º colocaram-se arrependidos e se desculparam, não só pelo fato em si como por terem entrado com a ação judicial. Isso foi muito, muito educativo! O outro episódio foi a inciativa do vereador José Emanuel. Como o Legislativo não tem a prerrogativa de alterar esse tipo de lei (isso é uma prerrogativa do Executivo), o vereador incumbiu-se de pegar o compromisso de todos os vereadores de votarem pela revogação, solicitando que o Executivo enviasse uma Mensagem para tal. É lógico que ao Administração Bruno Siqueira ignorou o apelo.





Greves longas, como o movimento paredista de 2025 que se estendeu por três meses, e duros embates na Câmara Municipal marcaram os anos de luta pela implementação correta da Lei do Piso Nacional, com a revogação do artigo 9º.
Em 15 de outubro de 2021, ainda durante a pandemia, a prefeitura, finalmente, revogou o artigo 9º. Mas a luta ainda não tinha acabado, certo?
É necessário reportar ao momento anterior a isso. Na campanha eleitoral do ano anterior, ouvimos da candidata Margarida Salomão o compromisso de, vencendo o pleito, encaminhar a Mensagem para a revogação do fatídico artigo 9º. Era uma reivindicação muito forte da categoria que sensibilizou a tal ponto a professora que, assumindo a Prefeitura, deu rumo às tratativas que viabilizaram essa ação. O momento da votação muito nos emocionou porque vimos, ali, o desfecho vitorioso de uma luta que encampamos com muita firmeza e, mesmo nos momentos mais turbulentos, jamais deixamos de acreditar que nossa determinação nos levaria ao êxito.
Nos dois anos seguintes, os professores retomaram a luta pela aplicação linear dos reajustes do Piso Nacional. Os índices, nesse período, totalizaram mais de 53% de reajuste, com ganho real inédito. Os percentuais foram aplicados para professores, coordenadores e secretários escolares.

15 de outubro de 2015: a direção do Sinpro-JF comparece à sede da prefeitura para o anúncio da revogação do artigo 9º da Lei 13.012.
Qual é a importância da lei do piso nacional para a criação de uma carreira de alto nível para os professores? Você considera que esses objetivos têm sido cumpridos em Juiz de Fora? E no Brasil?
A Lei do Piso Nacional foi um passo decisivo na direção de estancar os descalabros salariais espalhados pelo país, particularmente nas regiões norte e nordeste. Mas serviu, também, para termos um referencial mínimo para as remunerações na área da educação pública. Outrossim, também define o custo-aluno como base de cálculo para as atualizações do valor anualmente. É importante salientar, porém, as investidas feitas por setores conservadores no Congresso para modificar o referencial do reajuste, tentando impor índices inflacionários, desconsiderando todas as especificidades da Educação e dos mecanismos de seu financiamento.
Em Juiz de Fora, temos construído um canal de diálogo com a Administração, seja em pontos específicos de negociações salariais, seja em outros relativos ao cotidiano de nossas atividades laborais. Especificamente, é fundamental que possamos ampliar esse canal também com o setor responsável pela nossa área de atuação, seja com a direção sindical mas, principalmente, com a categoria, que necessita de uma gestão efetivamente democrática, equilibrada e dialógica.
Quais são os próximos grandes desafios para o Magistério Municipal de Juiz de Fora?
Sobre nossos desafios, é claro que estamos longe de uma situação ideal. Nossos objetivos são inúmeros e não se resumem a questões meramente remuneratórias mas em pontos que permeiam a qualidade do ensino, a acessibilidade, o atendimento universal e integral, as condições de trabalho. Vê-se que temos muitas lutas para fazer!
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